quarta-feira, 25 de março de 2009

Enfiando minha cabeça no rádio - Parte II


Às 8 da noite, mais ou menos, chegamos na cidade. Eu não queria, a uma hora dessas, em pleno Rio de Janeiro, ficar enfurnado dentro de um quarto de hotel vendo TV. Pedro também não. Saímos então pra tentar conhecer um pouco da noite carioca na Lapa. A minha primeira impressão assim que saímos do hotel e andamos pela rua foi com um pouco de receio, confesso. A mídia sensacionalista brasileira fazendo efeito em mim. Havia uma amiga de Pedro, de Fortaleza, que também estava na Lapa, também pelo show do Radiohead. Ligamos pra ela pra ver se tomávamos uma direção etílica mais precisa e ela nos ajudou. Demoramos um pouco até achá-la porque no meio do caminho aconteceram alguns imprevistos. A gente foi pedir informação prum senhor na rua e ele nos animou muito dizendo que por ali tava cheio de ladrão. Se tinha ladrão a gente não pôde comprovar, felizmente, mas putas, travestis, freaks, bêbados, tinha de monte. Disso eu gostei. Sempre gostei de ver/estar em ambientes subversivos. É tudo mais sincero, real, desmascarado, vivo, mesmo quando aparenta estar morto. E em meio à tão instigante cenário, conseguimos chegar até um bar chamado alguma coisa Brazooka, não lembro direito. Lá estava a amiga de Pedro, junto com mais duas pessoas: seu irmão e sua cunhada. Muito interessante, a garota. Bonita, agradável, inteligente, gentil... algumas qualidades que me atraem nas mulheres, apesar de acreditar que só com tempo se confirma esse tipo de coisa. Os acompanhantes dela também eram legais. Bebemos umas cervejas, conversamos, rimos, tiramos algumas fotos, até que os três recém-conhecidos resolveram ir embora. Eu e Pedro, não. Fomos pra outro bar, sentamos e voltamos a beber mais algumas cervejas. Conversamos muito sobre cachaça limpa, porque era algo que nos rodeava de forma absurda por ali, conversamos sobre o show, sobre relacionamentos amorosos (ou não), sobre uma carrada de assuntos, e principalmente sobre música, nosso maior gosto em comum. Na mesa ao lado, tinha um casal sentado. A mulher da situação não parava de olhar pra nossa mesa, fitando a gente. Ela não era bonita e nem parecia interessante e inteligente. Puxou conversa, tentou drasticamente parecer familiar com Aracaju quando soube de nossas origens, fazendo umas piadinhas lá que envolviam a Bahia. Ato falho. Começou a ficar um clima sem graça, forçado, e então resolvemos sair de lá. Como a movimentação não era mais tão grande nas ruas, e tínhamos que poupar grana, resolvemos voltar pro hotel.


Sexta-feira, dia do show. O café da manhã por conta do hotel tinha seu prazo até às 10 da manhã. O celular programado tocou às 9. Acordamos e fomos prontos pra comer o máximo que pudéssemos, a fim de não termos fome por um bom tempo e assim pouparmos grana. Acho que conseguimos. Depois, saímos pra dar uma volta pelo bairro, fomos numa dessas feirinhas que vendem de tudo, e eu estava atrás de uma camisa que não tivesse estampas, de cor branca, pra poder escrever em letras garrafais: "CABEÇA DE RÁDIO". Era assim que eu queria ir ao show. Comprei uma camisa e depois de comprar um pote de tinta pra tecidos que eu não sabia que demoraria 72 horas pra secar, peguei uma caneta e improvisei daquele jeito mesmo. Fiz "CABÊÇA DI RÁDJU" por influência de Pedro. Ficou bonito, eu achei. Meio pop art. Talvez o Andy Warhol gostasse, haha. Os portões da Praça da Apoteose estavam previstos pra abrir às 4 da tarde, que foi a hora que chegamos por lá. Uma fila enorme, formada em sua maioria por pimbas de todo tipo - a gente até tirava onda dizendo que tava no ENAPIM (Encontro Nacional dos Pimbas) - , supostos fãs do Radiohead, Los Hermanos ou Kraftwerk. Um cambista-de-lugares-em-filas tentou nos vender uma posição privilegiada. 15 reais por cabeça. Não, obrigado, fomos pro final mesmo. A fila quase arrodeava o quarteirão, mas a gente foi. Ao nosso lado, vejam só que coincidência, conhecemos um casal aracajuano. Conversamos um pouco, moram na Atalaia, se não me falha a memória, coisa que ela faz com certa frequência. Pouco depois, chegou o pessoal de Fortaleza que conhecemos na última noite. Ficamos conversando, bebendo umas cervejas, até a hora em que finalmente que abriram os portões, às 5 da tarde, mais ou menos. Foi uma loucura! Foi bonito também. Gente correndo, se batendo, caindo. Todos queriam uma posição digna diante do palco. E a gente no meio da loucura, é claro. Nesse momento, pude perceber o quão doloroso é ser sedentário nessas horas. Preciso voltar a fazer alguns exercícios físicos. Mas o esforço valeu a pena, conseguimos ficar a uns 10 metros de distância do palco. Prontos pra sentir Thom Yorke e cia. o máximo que conseguíssimos, ficamos ali, estáticos, tanto pelo medo de perder a oportunidade de estar perto quanto pela quantidade de gente igualmente eufórica amontoada nos espremendo. Mas não que estivesse ruim, pelo contrário, tava muito bom. Ah, o calor humano...

Conhecemos mais algumas pessoas por lá, tanto de outros estados, como do próprio Rio, e quando a gente falava que tinha vindo de Aracaju, Sergipe, a reação era uniforme: espanto! Todos se espantavam com o fato de a gente ter saído de tão longe só pra ver o Radiohead. Com tanta gente diferente, sugeri a Pedro que tentasse vender alguns EPs recém-lançados de sua banda, a Elisa, mas acabou só distribuindo mesmo. A propósito, se não conhecem, conheçam, eu recomendo. Eles tem myspace, é esse: www.myspace.com/bandaelisabr. Considero música bonita sem ser melosa. Mas bem, após uma longa espera, ao som de um DJ que eu não conheçia, começa o show de abertura do evento e também da volta dos Los Hermanos. Não sou o maior fã deles, mas os acho muito competentes e talentosos, e sinto que têm feeling (característica importantíssima pra mim) quando tocam. Porém, não foi isso que eu senti ao vê-los dessa vez. Achei tudo meio fadigado, sem vontade, sem sal. A galera pareceu ter gostado, pelo menos a maioria, mas percebi que alguns sentiram o mesmo que eu, ou seja, não sentiram. Em seguida, mas não tão em seguida assim, tive a oportunidade de ver um dos shows mais estranhos e ao mesmo fascinantes que já vi: Kraftwerk. Alemães que são considerados pioneiros quando se trata de música eletrônica, começando lá pelos anos 70 (!), programando musiquinhas em MS-DOS. Bizarro, no mínimo. Sei mais da história deles do que de suas músicas. O Wendell me disse ser fã, falem com ele se quiserem uma opinião mais concreta. E enfim...

A tão aguardada, tão ansiada, tão suada apresentação da maior banda de música alternativa dos anos 90 pra cá, quiçá de todos os tempos. Depois de tanto protelarem pra entrar no palco, o Radiohead iniciou o show. Meu deus-que-não-sei-se-acredito, caralho! Tudo, absolutamente tudo que foi de problema que eu tinha em minha cabeça se evaporou de uma forma única. Eu não conseguia ver mais nada, só aquelas luzes ofuscantes que entravam por meus olhos e numa sintonia peculiar com a música que adentrava meus ouvidos, me levavam a um estágio de puro transe. Eu ora parava e ficava olhando, estático, a cada um deles, ora enlouquecia, e começava a me debater, dançando freneticamente de olhos fechados. Era lindo demais, puta que pariu. Cada trago que eu dava em cigarros "compartilhados" com outros fumantes da platéia, entravam pela minha garganta e saíam pela minha boca embalados pelas batidas fortes da música do Radiohead. Thom Yorke tem uma presença de palco surpreendente, vibrante, mas era o Jonny Greenwood que me chamava mais a atenção, tanto pelas performances quanto pelo estilo de tocar mesmo. Desde sempre, inclusive. O ápice de minha admiração por ele se deu no dado momento em que ele conseguiu a façanha de tocar sua guitarra e ao mesmo tempo tocar teclado com a mão da guitarra! Foda. O show foi passando, eles foram mesclando clássicos com músicas menos conhecidas, mas não menos conhecidas para fãs de verdade... Paranoid Android, Everything In Its Right Place, Electioneering, How To Desappear Completely, Bodysnatchers, foram alguns pontos altos, particularmente falando. Meus pés em metade do show já não suportavam meu peso e a dor era evidente e permanente, afinal, quase 8 horas ali em pé tinham que causar seus efeitos colaterais, mas quem se importava? Eu mesmo não. Não sairia dali antes de vê-los sair por definitivo do palco nem a pau.

Creep. Foi com ela que eles terminaram o show. Perfeito. Quase 30 mil pessoas (foi o que eu soube) em coro cantaram verso a verso a música que mostrou o Radiohead pro mundo e que foi a primeira deles que me deparei também. Antes mesmo da famigerada "música do Carlinhos", a bela Fake Plastic Trees, que eles não tocaram no show.

Tenho quase certeza que não vou presenciar um momento tão bonito como aquele tão cedo na minha vida. Foi lindo. Valeu muito a pena. Toda a viagem, na verdade.

É, escrevi demais, mas agora, fudeu. Culpem Leno, a ideia foi dele.

http://gomorra69.blogspot.com/2009/03/saga-radioheadiana-de-um-gomorrense-no_26.html
(nesse link tem esse mesmo texto, apenas com o adendo dos comentários (quase) sempre motivadores de Wesley)

Enfiando minha cabeça no rádio - Parte I


Eu fui num show do Radiohead. Talvez não tenha melhor - e essa palavra aqui abrange seu mais extenso sentido - expressão pra começar esse texto que pretende relatar um pouco dessa que foi uma das mais significativas experiências estético-musicais que já vivenciei.

Como todo mundo aqui deve saber, eles vieram pela primeira vez ao Brasil. Shows em São Paulo e no Rio. Fui pra esse último. O Rio é o último a que me refiro aqui no texto, mas cronologicamente foi o privilegiado primeiro lugar a receber os venerados ingleses. O show se deu na Praça da Apoteose, o famoso sambódromo onde as escolas de samba cariocas desfilam bundas lindas e glamour anualmente (sem trocadilhos). Há um bom tempo, fiquei sabendo desse show, e assim que soube, fiquei muito tentado a ir. Viajar pra outro estado e esse estado sendo o Rio de Janeiro é que era o problema. Não por preocupações de cunho social causadas pela mídia sensacionalista brasileira, longe disso, os impecílios eram os custos de passagens e a estadia. Ganho um pouco mais de um salário mínimo onde trabalho e tinha um monte de dívidas pendentes em cartões de crédito. Coisa de pobre que não pode meter dois conto no bolso que já se endivida. Meus pais não tinham condições suficientes pra bancar uma viagem dessas por completo. Eis meu dilema. Enfim, tinha que dar um jeito: separei uma grana, tratei de comprar logo meu ingresso de meia-entrada, arrumei uma pessoa pra ir comigo, e aí então, só me preocupei em saber como iria e onde ficaria. Eu tenho uma tia que mora no Rio, em Copacabana, mais precisamente. Só a vi uma única vez na minha vida, e isso aconteceu quando ela veio aqui pra Aracaju nos visitar há sei lá quantos anos. Pronto, este foi meu primeiro e último contato com ela até então. Radiohead tocando no Rio e uma tia que mora no Rio... bingo! Perfeito (mas não é o simpático Rafael Baiano desta vez)! Já tinha achado um canto pra me aconchegar por lá. E bem, isso significava, além de uma suposta segurança, economia de grana pra gastar lá também, né? Teoricamente, tudo resolvido, tudo no seu lugar. Falei então com minha mãe pra que ela falasse com a minha tia e a comunicasse da minha ida. Ressaltei que havia um amigo que iria comigo. Minha tia não tem filhos, e segundo minha mãe mora numa casa grande, só com seu marido, um cidadão que mais parece o inestimável Agostinho de A Grande Família - sim, o seriado da rede Globo - , com aquelas roupas de bicheiro e colares de prata. Da vez que ele esteve aqui, não o achei engraçado como a personagem interpretado pelo Pedro Cardoso, mas tudo bem, eu o suportaria. Minha mãe relutou um pouco em aceitar essa viagem (aaaah, mães! Todas elas, genéticas ou adotadas na rua!), mas findou aceitando.

Com uma promoção da TAM em vista e a certeza da hospedagem familiar no estado em que o Radiohead tocaria, segui minha vida planejando, acertando detalhes, e esperando os meses passarem até que o dia da viagem chegasse. E o dia chegou. Mas antes, dois dias antes, foi quando minha querida mamãe resolveu pegar o telefone e ligar pra minha tia. Isso, DOIS DIAS antes da viagem marcada na última quinta-feira, minha progenitora me faz esse favor. Eu já tinha pedido a ela pra fazer isso há séculos, mas, mais uma vez nesta vida, ela não me ouviu. Pois é, aconteceu isso que vocês tão pensando mesmo: minha tia, que descobri tardiamente que é uma medrosa e frustrada de marca maior e que mora na "cidade maravilha" por puro status, vegetando vida, mal saindo de casa, com pavor de que a violenta Rio de Janeiro roube seus pertences valiosos (quanta mediocridade, meu deus-que-eu-não-sei-se-acredito. Minha mãe disse que ela raramente sai com seu carro de casa, com medo da bandidagem!), me deixou na mão (calma, eu não iria comê-la) e disse que viajaria na sexta, não podendo assim me receber em seu suposto belo lar. Legal, né? Raiva foi um sentimento que eu não senti, imaginem. Desespero também não, cês acham? Enfim, discuti com mama e depois fui pôr minha cabeça no lugar pra pensar no que fazer. Tentei ajuda com uma amiga minha que é de lá mas que tá aqui. Não consegui muita coisa, ela morava em Campos lá no Rio, não tinha conhecidos de confiança na capital. Fui na internet atrás de albergues, pousadas, motéis, qualquer coisa que me custasse pouco dinheiro e que ao mesmo me proporcionasse possíveis oportunidades de prazer além do show. Depois de muita pesquisa, Pedro Yuri, o amigo que me acompanhou na viagem, lembrou da sugestão de seu pai, sobre um hotel meia-boca que fica na Lapa, e que estava no mesmo valor da maioria dos lugares que a gente tinha pesquisado. Fechou. Hotel Carioca, se chama. Com tudo decidido, de certeza, agora, saímos daqui por volta de 4 da tarde da quinta-feira à caminho do Rio, à caminho do Radiohead!

http://gomorra69.blogspot.com/2009/03/saga-radioheadiana-de-um-gomorrense-no.html
(nesse link tem esse mesmo texto, apenas com o adendo dos comentários (quase) sempre motivadores de Wesley)